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Século XXI

“O capital não precisa mais e precisará cada vez menos do trabalho de todos”

Especialização é para insetos.

Me ensinaram o que querer
Mas não disseram como ter
E agora os mesmos olhos que pediam
Vão descer
Para exigir
E não serão mais complacentes


Essa disputa vai ter sangue
Que vai molhar da cabeça aos pés
Essa disputa vai ter sangue
Abalando a confiança dos fiéis

Há quinze anos, o poeta e dramaturgo alemão Heiner Müller deixou claro, numa entrevista, que não via Auschwitz como um desvio ou exceção, mas sim como altar do capitalismo, último estágio das Luzes e modelo de base da sociedade tecnológica. Auschwitz seria o altar do capitalismo porque ali o homem é sacrificado em nome do progresso tecnológico, porque o critério da máxima racionalidade reduz o homem ao seu valor de matéria-prima, de material; seria o último estágio das Luzes ao realizar plenamente o cálculo, por elas inaugurado; e, finalmente, seria o modelo de base da sociedade tecnológica porque o extermínio em escala industrial consagra até mesmo na morte a busca de funcionalidade e eficiência, princípios fundamentais do sistema técnico moderno.

Alguns incógnitos membros da elite global encomendaram a um grupo de trabalho formado por especialistas de todas as ciências humanas um estudo sigiloso destinado a "definir os dados estratégicos que permitirão manter, desenvolver e reforçar o domínio da economia capitalista liberal de mercado e os processos que o termo 'globalização' resume de modo eficiente". Reunido em Lugano, pacato e belo refúgio suíço de milionários, o grupo de trabalho teria então elaborado o seu diagnóstico e, em novembro de 1999, entregue o Relatório Lugano, que tem por título oficial "Assegurar a Perenidade do Capitalismo no Século 21".
A "solução final" não se dissolveu com o fim dos campos de concentração; muito ao contrário, ela está aí, mais atual do que nunca, maquinando a estratégia neoliberal implementada em escala planetária. A aproximação pode parecer abusiva, mas não é: Müller sabia que a estratégia nazista de aceleração total, tanto econômica quanto tecnocientífica, obedecia ao princípio da seleção, isto é, do direito do mais forte; Eles sabem que a estratégia neoliberal repousa sobre esse mesmo princípio, ao colocar a mesma questão totalitária: quem tem o direito de sobreviver, quem está condenado a desaparecer.

A primeira parte do Relatório é dedicada às ameaças que pesam sobre o sistema, ao papel das instituições internacionais de controle e ao impacto gerado pela atual relação explosiva entre consumo, tecnologia e população. Eis algumas das conclusões do grupo de trabalho:

Mais um problema –reação –solução...

1) Os governantes tentam convencer os governados de que a ordem econômica neoliberal pode incluir todo mundo em toda parte, por mais numerosos que sejam no presente e no futuro. Mas não há a menor possibilidade de integrar uma população mundial de 6 a 8 bilhões de pessoas.

2) Antes da globalização, os processos econômicos eram sobretudo nacionais e operavam por adição. Hoje, precisamente porque se tornaram internacionalizados, operam por subtração; é o chamado "downsizing", quanto mais se eliminam elementos humanos custosos (mão-de-obra), mais os lucros aumentam.

3)As condições mínimas para que o capitalismo global perdure e triunfe não podem ser satisfeitas nas atuais condições demográficas. Não se pode ao mesmo tempo apoiar o capitalismo e continuar tolerando a presença de bilhões de humanos supérfluos.

4) Uma população total do planeta mais reduzida é o único meio de garantir a felicidade e o bem-estar da maioria das pessoas. Tal opção pode parecer dura, mas é ditada pela razão e pela compaixão. Se desejamos preservar o sistema liberal, não há alternativa.

Uma vez colocada a questão da redução de população, o Relatório passa a discutir as estratégias para "resolver" o problema dos excluídos por meio do que Müller chama de "limpeza social". De saída os sistemas genocidas como o Holocausto são considerados estratégias ruins por várias razões: apóiam-se em enorme burocracia, são caros demais e ineficientes, conferem demasiado poder e responsabilidade ao Estado, não passam despercebidos, atraem a ruína e o opróbrio a seus autores. Diz o relatório:

"O modelo de Auschwitz é o contrário do que precisamos para atingir o objetivo. (...) A seleção das "vítimas" não deve ser responsabilidade de ninguém, senão das próprias "vítimas". Elas selecionarão a si mesmas a partir de critérios de incompetência, de inaptidão, de pobreza, de ignorância, de preguiça, de criminalidade e assim por diante; numa palavra, elas encontrar-se-ão no grupo dos perdedores".

Definidos os objetivos e os quatro pilares que fundamentam a ambiciosa empresa, o pilar da ideologia e da ética, o econômico, o político e o psicológico, o Relatório propõe, como estratégias de redução da população, uma atualização concertada dos flagelos configurados pelos quatro cavaleiros do Apocalipse: a Conquista, a Guerra, a Fome e a Peste. Vistos nessa perspectiva, os conflitos regionais, as crises, as epidemias e os desmanches que assolam as economias e sociedades do Terceiro Mundo adquirem uma inteligibilidade espantosa, até então irreconhecível. Mas a produção de destruição não tem apenas inspiração bíblica: há também estratégias que nem São João de Patmos nem Malthus poderiam conceber, porque são preventivas e dependem da política e da tecnologia do século 20: aqui têm lugar os inibidores de reprodução, como as esterilizações em massa, a contracepção forçada etc.

No Século XXI, para manter a atividade da economia mundial, dois décimos da população ativa serão suficientes. ”Não haverá necessidade de mais mão-de-obra”, estima o magnata Washington Sycip. Um quinto dos candidatos aos postos de trabalho bastará para produzir todas as mercadorias e para fornecer as prestações de serviços de grande valor que a sociedade mundial pode gozar. Estes dois décimos da população participarão assim ativamente na vida, nos rendimentos e no consumo-seja em que país for.É possível que este número cresça ainda 1 ou 2%,admitem os participantes no debate das elites econômicas no hotel Fairmont em São Francisco(EUA),acrescentando-lhe por exemplo os herdeiros das grandes fortunas.
Mas e os restantes? Será possível imaginar que 80% das pessoas que desejam trabalhar não vão encontrar emprego?

«Ter algo para comer ou ser devorado».Também a expressão Tittytainment, proposta pelo velho rezingão que é Zbigniew Brzezinski, faz carreira. Este nativo da Polônia foi durante quatro anos Conselheiro de Segurança Nacional junto do Presidente norte-americano Jimmy Carter.
Segundo ele, uma sábia mistura de divertimento estupidificante e de alimentação suficiente permitirá manter de bom humor a população frustrada do Planeta.

A crescente pressão da concorrência não permitirá que se peça às empresas que participem nesse esforço social. Portanto, outras instâncias deverão ocupar-se dos desempregados. Os participantes no Debate contam com outro setor para dar um sentido à existência e garantir a integração: o voluntariado a favor da coletividades, a participação nas atividade desportivas e nas associações de todo o tipo. ”Poderia valorizar-se essas atividade mediante a atribuição de uma remuneração modesta, o que ajudaria milhões de cidadãos a serem conscientes do seu próprio valor”, Welcome to the Jungle! Salvem as ONGS!

Os patrões dos grupos industriais estão à espera de que,a breve prazo nos países industrializados sejam postas pessoas a varrer as ruas por um salário praticamente nulo ou que haja quem aceite(vejam só)um emprego de criado a troco de um miserável alojamento. Segundo o futurólogo John Naisbitt, a era industrial com a sua prosperidade de massas, não passa ao fim e ao cabo de um “piscar de olhos na história da economia”

Tudo isso é o efeito do desinteresse das pessoas pela política, que pode causar alguns malefícios nos sistemas democráticos vigentes, diminuindo a qualidade dos líderes - se é que algum dia a tiveram. Por outro lado o governo já passa a ser considerado como clima ou catástrofe da natureza, e o individualismo das pessoas indica um anarquismo tácito, já vigente em grandes centros populacionais. Pessoas vivem sem conhecer a influência do governo, por ignorância (ou desinformação deliberada) e desinteresse. São os hedonistas perseguindo o prazer e ignorando qualquer discussão sobre os meios de produção.

William S. Burroughs comparou o capitalismo ao vício da heroína, assinalando os terríveis paralelos: o junkie precisa de doses regulares ,o cidadão capitalista precisa igualmente de receber injeções regulares de dinheiro. Se não tiver droga, o viciado transforma-se num feixe espasmódico de ansiedades; se não tiver dinheiro, o cidadão capitalista atravessa um trauma de carência em tudo semelhante. Quando a droga escasseia ,os junkies comportam-se de forma desesperada, chegando ao ponto de roubar e mesmo matar. Se o dinheiro escasseia, o cidadão capitalista também é capaz de roubar e matar.

Em pesquisas recentes, alguns chimpanzés foram ensinados a usar dinheiro. Indicam os relatórios que eles desenvolveram atitudes "americanas" normais para com esses ícones misteriosamente poderosos. A Pirâmide dos Illuminati, que vem impressa nas notas de dólar e similares emblemas "mágicos", como a Flor de Lys, a suástica, a águia bicéfala, estrelas, luas, sóis, com que outra nações acharam por bem decorar as suas notas e documentos de estado, são intrínsecos à "fantasmagoria" do monopólio que o Estado detém sobre o maná ,ou energia psiquica.Temos aqui dois pedaços de papel verde; um é dinheiro, o outro não é. A diferença é o primeiro ter sido "abençoado" pelos feiticeiros do Tesouro.
O trabalhador capitalista vive num estado de ansiedade perpétua, em tudo semelhante ao viciado em opiáceos. Originalmente, a segurança da biossobrevivência, a neuroquímica da sensação de segurança, encontra-se sempre ligada a um poder externo Esta cadeia condicionada dinheiro equivale a segurança, falta de dinheiro eqüivale a terror é reforçada sempre que vemos alguém ser "despedido" ou vivendo na miséria. Psicologicamente, este estado pode caracterizar-se como paranóia clínica de baixo grau. Politicamente, a manifestação deste desequilíbrio neuroquímico é conhecida por Fascismo...
Como diz Leary, "A nossa vida social é agora dominada por restrições que o medo e a raiva impõem à liberdade o medo e a violência restritiva podem tornar-se prazeres viciantes, reforçados por dirigentes esquizofrênicos e um sistema econômico que depende da restrição da liberdade, da produção de medo e do incitamento ao comportamento violento".

Na metáfora perfeita de Desmond Morris, o macaco nu comporta-se tal qual um animal de zoológico: a essência da experiência da jaula é o desespero. No nosso caso, as grades da jaula são as intagíveis regras impressas do jogo: as "grilhetas forjadas pela mente" de Blake. Somos literalmente o ceguinho que está a ser roubado. Abandonamos literalmente os nossos sentidos. O ícone condicionado, o dinheiro-símbolo, controla totalmente o nosso bem estar social.